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Foto do escritorAlexandra Oliveira

Sobre os Festivais

(resumido do livro "A Religião Grega", Fernand Robert, Ed. Martins Fontes) Não se deve tomar a religião como exclusivamente mitologia, a verdadeira religião não se encontrava apenas nas histórias, ela estava nos ritos, nos mistérios. O mito por si só seria incapaz de inspirar fé. Ele está ligado a um fenômeno cíclico da vida. Ninguém pode negar a afinidade de Zeus com o trovão ou de Deméter com a agricultura. Além disso, a expressão religiosa não se encontra primordialmente na literatura. A religião não está no que se conta, mas no que se faz. Enquanto as mais belas histórias da mitologia viram-se logo abaladas pelas reflexões dos filósofos, a religião antiga permaneceu inabalável, a observância de ritos sempre foi garantia de bons resultados (por exemplo, uma boa colheita) e o não-cumprimento dos mesmos era sinônimo de escassez (como fome, doença). O sagrado, por um tempo invisível e impessoal, toma forma nas representações humanas dos deuses. Se Atena fez Sócrates beber a cicuta, não foi porque ele se recusava a acreditar na mitologia divina, mas porque ele punha em perigo os cultos da cidade, ou seja, os atos, cerimônias, procissões e festas que protegiam os habitantes contra possíveis más conseqüências. Quanto a estrutura do clero, há nos diferentes santuários vários sacerdotes. Alguns o são por toda a vida, outros exercem a função apenas por um ano. Os sacerdotes não têm uma doutrina na qual se formam, não há um dogma. Eles executam os atos do culto, mas não propagam ensinamentos. Há famílias sacerdotais providas de funções hereditárias, particularmente nos cultos de mistérios (como os Mistérios Eleusianos), e algumas conseguem manter mistérios muito seus, com suas próprias tradições, sem misturar com a do poder civil. Em certos santuários, nessas famílias, e nas associações de culto (thiases) conservam-se narrativas orais secretas, que eram locais, não havia uma doutrina comum a todos os gregos. Essa ausência de dogma, de doutrina, de clero como classe social, de livro sagrado, é o que faz normalmente relacionar a religião com a literatura. As obras de Homero, Hesíodo, Virgílio etc, nunca foram tomadas como livros sagrados. Ninguém era obrigado a crer no que elas dizem dos deuses. Tanto os poetas como os artistas muitas vezes trabalham para os santuários, frequentam suas festas, compõem hinos para elas. Ou seja, eles eram atuantes nos cultos, não retratadores dos mesmos. Ninguém fixou ou editou o que se deve fazer ou no que se deve acreditar. Os santuários e templos na religião grega, bem como a atitude dentro deles, não tem nada de aproximação com a religião romana. As influências gregas eram muito diferentes. O naos grego era o edifício (templo) onde reside a estátua, o temenos era o terreno com tudo o que ele encerra, o hiéron (santuário) era todo o espaço consagrado e pertencente à divindade. A parte mais santa, a adyton (lugar proibido) é de acesso apenas para privilegiados (ou fiéis ritualmente preparados), também chamado to esotatô tou naou (parte mais interior do templo). Um templo grego nunca é lugar de reunião para os fiéis, eles se reúnem no exterior, à volta do altar, para assistir os sacrifícios que eram feitos ao ar livre. Vários deuses podem ser adorados no mesmo santuário, daí a parte destinada a cada um deles seria o temenos, enquanto o conjunto todo seria o hiéron, embora em outros exemplos seja o contrário. Não se deve confundir temenos com 'templo', que vem do latim templum (cortar, recortar). O latim templum designa o setor de céu e paisagem que se 'recorta' para limitar um campo de observação dos sinais divinos antes de se construir o templo ali. O temenos é o terreno 'recortado' para constituir uma propriedade, que é divina. Para se referir a um santuário, pode-se falar simplesmente 'casa de Dionísio', por exemplo, ou usar um adjetivo tanto para o santuário quanto para o templo, como 'Artemísion' e 'Asclepiéion'. Quando o santuário é um lugar arborizado, chama-se alsos, como o santuário de Olímpia. A edificação mais importante no santuário, porém, não é o templo, mas o altar (ou os altares, embora sempre haja um principal). O altar é a edificação mais importante, porque é nele que se realiza o ato mais relevante do culto: o sacrifício. O santuário pode até ser desprovido de templo, mas nunca de altar. O primeiro tipo de sacrifício que existe é o em que o essencial da oferenda vem da fumaça que sobe aos deuses, o segundo tipo é o em que o essencial é o sangue que penetra no solo e nas suas profundezas. Por esses dois tipos de sacrifício, há dois tipos de altares. No primeiro, destinado às potências celestes, o sacrificador se colocava numa plataforma chamada prothysis onde matava o animal, e uma parte dele ia para a eschara (lareira) para ser queimada a fim de a fumaça agradar os deuses (o resto do animal é consumido). O mesmo vale para ofertas líquidas. O conjunto desse altar é chamado bômos. No outro tipo, há também dois lugares: um fosso onde se derrama o sangue - o bothros (buraco) - e outro onde se queima (totalmente) a vítima - a eschara (lareira). Quando se fala 'eschara' sem especificar como 'eschara de um bômos', é porque se está referindo a esse altar destinado aos deuses de baixo. O curioso é que: queimar um animal inteiro produz muito mais fumaça do que só uma parte dele. Nos sacrifícios para os deuses de cima há um cálculo econômico vantajoso para os mortais (que comem o resto da carne), enquanto que nos para os deuses de baixo os mortais sofrem conseqüências econômicas desastrosas. Tudo o que se refere à morte é impuro e imundo, por isso que a carne devia ser totalmente destruída; é uma eliminação de sujeira, da qual se desfaz destruindo-a. Existem também altares duplos, onde um certo número de recintos a hypethres (céu aberto) rodeiam pares de altar formados de um altar oco (bothros) e um maciço (bômos). No bômos se oferecia a carne para os deuses celestes e no bothros o sangue para os deuses submundanos. Os lugares eram a céu aberto para deixar escapar a fumaça, mas tinham muros para assegurar o caráter secreto dos ritos. O sacrifício (thysia) designa também uma festa religiosa (enquanto a palavra para festa é heorté). As cidades gregas nunca chegaram a (e nem mesmo tentaram) possuir um calendário uniforme; cada uma tem o seu, com suas soluções próprias, que variam de caso a caso, visando corrigir as defasagens entre os meses, que são lunares, e o ano, que é solar. Existe uma grande quantidade de ritos nos quais se chamava um personagem para representar o papel de um deus e, sem dúvida, é por isso que as festas originaram as representações dramáticas. Os sacrifícios são acompanhados de cânticos, música e danças. As atitudes nas preces são a de se voltar de pé para o leste ou para o mar, erguer os braços (ou só um dos braços) - caso se trate de deuses de cima - ou voltar as palmas para baixo - caso se trate dos deuses subterrâneos. Se for tocar a imagem do deus, sempre o fará de pé ou prosternado (curvado) e tocando os joelhos da estátua, mas nunca (salvo no pré-helenismo) adotando a postura ajoelhada. Os juramentos acompanham os sacrifícios. Quando se é fiel ao juramento, atrai-se forças-bênçãos, caso contrário atrai-se forças-maldições. Só resta falar do humor, muito presente na religião grega, que gostava de gracejar com os deuses, tratando-os com espantosa familiaridade. O humor é mais fácil para um deus que se aproxima dos homens do que para homens que se julgam divinos. A Grécia não cessava de humanizar seus deuses, até quando representava-se monstros sempre se lhes dava a cabeça de homem. Adorar monstros está na natureza humana até hoje. Humanizar o divino, divinizar o humano, isso estará sempre por recomeçar.

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