top of page
  • Foto do escritorAlexandra Oliveira

Eusebia e Xenia

Atualizado: 4 de mai. de 2020

(Texto originalmente publicado a 25/09/2007)


Se você já segue o politeísmo há algum tempo, sabe que passamos muito tempo lendo (ou ao menos deveríamos). O fato de estarmos reconstruindo uma religião antiga torna necessário um conhecimento um tanto quanto íntimo dos autores antigos para nos ajudar a conectar com os Deus para os quais fomos atraídos. Precisamos de informação sobre festivais, epítetos, preces, símbolos, sacrifícios, entre outras coisas. Além disso, quando não lemos direto os textos antigos, as nossas fontes modernas tendem a ser bastante acadêmicas e cheias de notas de rodapé e comentários e bibliografias. Quando discutimos, o debate às vezes acaba por ser mais intelectual e de citação de fontes do que de nossas experiências inquestionavelmente significativas com os deuses. Uma das coisas que volta e meia vejo perguntarem na comunidade de 'Reconstrucionismo Helênico' no Orkut, é como incorporar todo esse aparato textual na nossa vida diária para cultuarmos os deuses de forma apropriada. Uma das coisas principais seria pensar em mais é em: como pegar valores antigos e usá-los em um contexto moderno. Quando discutimos isso, sempre se volta a tocar no assunto do sexismo, racismo, escravagismo e outros comportamentos dos antigos que não são parte do nosso sistema de crenças moderno. Mas, porque em vez de dissecar essas coisas em debates, porque não pegamos os valores éticos deles e os colocamos em prática? Parece difícil aplicar o que aprendemos e discutimos, mas com o tempo vocês verão que não é. Acreditem, porque sei do que estou falando. Neste artigo resolvi falar em dois dos mais importantes valores para um reconstrucionista helênico. A "piedade" (eusebia) e a "hospitalidade" (xenia). Piedade neste caso não é como exatamente como provavelmente aprendemos na nossa família de origem cristã. Trata-se de reconhecer e respeitar e honrar os Deuses por quem são e pelo que Eles significam para nós. O que se fazia tradicionalmente e que ainda se pode fazer neste sentido é manter um altar para eles, oferecer um pedaço da sua refeição para Héstia (se possível, no começo e no fim), e tentar seguir os festivais do calendário. Meus altares estão no meu quarto e na varanda, e neles faço preces e ofertas sempre que é possível ou necessário. Você pode, por exemplo, acender incensos, velas, oferecer vinho, mel, cereais, pães e frutas. Os altares podem ser feito com imagens dos deuses e/ou símbolos deles. Por exemplo, uma estatueta de Poseidon e/ou um animal que o represente (cavalo/touro/golfinho), uma estatueta de Zeus e/ou um machado de lâmina dupla (labrys), uma estatueta de Atena e/ou uma coruja, uma estatueta de Ares e/ou espadas e elmos, velas para Héstia, e assim por diante. Para Ártemis, por exemplo, tenho uma estatueta dela, uma ursinha, um bracelete amazona, e um quadro de cervo. Usar coisas que te lembrem dos deuses também é bom, como anéis com geometria grega, colares de coruja, entre tantas outras coisas que - pelo menos no meu caso - vivo achando "coincidentemente" (sabemos que não é só coincidência) para comprar quando nem estava procurando. Ou seja, a eusebia é provavelmente o valor mais fácil de se incorporar na nossa vida.


«Piedade, na tradição grega, é a oferta das honras apropriadas aos deuses em ocasiões apropriadas. Era menos uma questão de emoção e mais uma questão de bom-senso (sophrosyne). É "razoável" honrar alguém ou algum deus que nos ajuda em coisas importantes, portanto a piedade é principalmente uma questão de RAZÃO. A pessoa ímpia - que não repaga os bons serviços com honra - não está com falta de FÉ (uma formulação que os gregos não usavam), mas de RAZÃO. Impiedade é tolice e isso é quase igual a uma "insanidade" (e por insanidades os deuses puniam alguém).» (Traduzido e resumido de John D. Mikalson, 'Ancient Greek Religion', pela Alexandra). Um segundo valor importante na Grécia antiga era a hospitalidade. 'Xenia' está relacionada de perto com a filantropia, a obrigação de ser participativo nas nossas comunidades e ao menos tentar fazer a diferença. Para os antigos, abrir as portas da nossa casa ou ajudar a um 'estrangeiro' criava um laço sagrado, e ai de você se fizesse algo que traísse essa aliança. Isso também é fácil de fazer hoje em dia - embora não pareça, com tanta desonestidade e violência pro aí. Trata-se simplesmente de sair um pouquinho da frente desse computador (depois de ler este artigo, claro) e de sair um pouquinho de si mesmo por alguns momentos. Se tem uma pessoa idosa que mora perto de você e precisa de ajuda com coisas básicas como carregar compras ou empurrar o carro enguiçado, se ofereça. Se tem um abrigo ou uma instituição voluntária de algo que você possa ou até goste de fazer, vá lá. Se tem um amigo seu precisando de uma mãozinha, não negue. Você pode só dar dinheiro para a caridade como oferta aos deuses também, tudo bem, mas também pode se afiliar a uma ONG ambiental em honra a Ártemis e aos deuses 'selvagens', como Pã e Dionísio. Ninguém está dizendo para você pagaro dízimo ou dar um monte de dinheiro por aí; não somos ricos e nem podemos cometer excessos (porque seria violar outro princípio grego). Mas você pode dar algo que não vá te fazer falta para um grupo que você conheça, ou você mesmo pode cuidar para manter as praias e parques limpos, nem que seja só uma vez por ano. Se você sai pra comer fora todo domingo, tire um domingo para comer em casa e use o dinheiro que você economizou pra isso. Você obterá a satisfação de fazer um bem à comunidade e ao planeta. Isso é hospitalidade e filantropia. Uma vez eu li um depoimento de um reconstrucionista. Ele contava que passou por um mendigo todo desgrenhado, que todos estavam ignorando. De repente o sem-teto vai até ele e pergunta "o senhor tem algum trocado?" e o rapaz o olhou nos olhos. O cabelo grisalho, a barba, os ombros fortes, os olhos penetrantes, de repente deram um estalo no helênico que o fizeram lembrar de Zeus, principalmente o de Olympia, o Zeus Xenios. Na hora o homem recebeu o seu trocado e, no momento seguinte, voltou a se parecer com um mendigo faminto. Algum sentido poderoso e que não podemos conter parece ter se tornado presente diante dele.

327 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Sobre a Beleza

O que o ‘Hellenismos’ oferece, em uma palavra, é beleza. Pergunte a uma pessoa da rua qual a primeira impressão que ela tem da Grécia...

O valor de ser religioso

O Helenismo tem a ver com gratidão, com aprofundar seu relacionamento com os deuses. Não tem a ver com dogma, não tem a ver com medo, não...

Comments


bottom of page