(texto de 17 de junho de 2012, por Alexandra)
No clima do mês dos namorados, vamos refletir sobre três das Máximas Délficas que parecem um tanto controversas com relação ao casamento:
9. Pretenda se casar (Γαμειν μελλε) Esta máxima não estipula que você case, apenas deixa aberto uma intenção. "Pretenda se casar" poderia ser entendido como "pretenda dar continuidade à sua vida, ter estabilidade e maturidade, ter uma família e se apaixonar", mas - historicamente - esse "pretenda se casar" era uma sugestão importante pelo fato de ser a maneira que se conhecia antigamente de gerar filhos como um dever cívico: o de produzir herdeiros legais e adultos preparados para desempenhar suas responsabilidades com a cidade. E é dessa forma que prefiro entender a sentença. (Ainda assim, para alguns filósofos gregos era melhor não se casar, para ter tempo de filosofar em vez de ter que cuidar dos deveres do lar...) Uma alternativa pessoal de tradução que já encontrei foi "Casar-se é doce" (μέλι = mel), mas acredito que a diferença de 'meli' pra 'melle' é significativa o suficiente para não considerarmos que se trate da primeira. É importante lembrar aqui que o casamento está no sentido de compromisso, não necessariamente do casamento em lei (ou seja, heterossexual). Trata-se de lembrar do mito das almas-gêmeas de Platão, em que as metades podem ser as duas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, mas que elas sempre querem se encontrar para serem completas novamente.
67. Seja mestre em banquetes nupciais OU Deixe o casamento prevalecer (Γαμους κρατει) Acredito que essa máxima se refere à importância "psicológica" do casamento. Uma vez que o casamento na antiguidade implicava no início de um novo OIKOS/lar ("quem casa, quer casa"), a cerimônia (o banquete) era o que estabelecia a fundação da comunidade -- de 'oikos' para 'demos' e desta para a 'polis'. O que a máxima pode estar dizendo é que o casamento como princípio deveria ser a primeira preocupação nas nossas mentes. 'Gamous' é casamento (a cerimônia de matrimônio, o banquete de núpcias) em geral, não especificamente o seu, e - em algumas obras de Ésquilo, Tucídides e Platão - encontramos 'kratei' traduzido como 'prevalecer', então outra tradução poderia ser "Deixe o casamento prevalecer", pois as primeiras decisões devem ser tomadas dentro da nossa casa. Não adianta ser um excelente orador político na rua se dentro da sua própria casa as pessoas não sabem se governar e se organizar para o bem do lar.
95. Guie sua esposa OU A mulher é o princípio (Γυναικος αρχε) A intenção por trás disso é para cada pessoa da casa saber seu papel e desempenhá-lo. Na Grécia Antiga, principalmente em Atenas, o marido era encarregado da família e era quem tinha que interagir e fazer os negócios com as pessoas de FORA da casa. A esposa mantinha os negócios e os afazeres DENTRO de casa, embora o marido pudesse ser consultado e opinar também. Portanto, ela não conhecia muito da vida lá fora e precisava de orientação nesse aspecto. O que se entendia é que: contanto que ambos esposos fossem gentis e respeitosos um com o outro e desempenhassem seus papéis no melhor de suas habilidades, o lar tinha uma melhor chance de prosperar. Já hoje, se quisermos ter um lar harmonioso, suave e eficiente, dá para conseguir isso sem ter uma pessoa guiando a outra. Uma parceria seria capaz de preencher essa intenção em seu máximo. É uma questão mais cultural, que era o jeito que eles conheciam de dar certo (de fazer a casa e a cidade funcionar), e que hoje encontramos outra forma (provavelmente melhor). Além disso, antigamente aconteciam muitos casamentos arranjados, por razões cívicas e financeiras. Neles, as noivas (também principalmente em Atenas) eram adolescentes -- ou seja, precisavam mesmo serem guiadas pelos maridos que eram bem mais velhos, muitas vezes amigos dos pais da noiva. (Claro que idade não garante maturidade, mas aí é outra discussão...) Agora, tem a questão da tradução também, que inverteria toda a máxima! 'Gynaikos' = mulher ou esposa; 'Arkhê' = governar, guiar (se vier de 'arkhô') ou começar, iniciar (exemplos: "en archê ên ho logos" = "no princípio era o verbo"; arquétipo = marca inicial). Nesse sentido, considerando que as mulheres dóricas eram as que traziam os guerreiros ao mundo, a tradução poderia ser "comece com a mulher" ou "a mulher é o começo". (Primeiro as damas!) "A mulher é o princípio", aliás, cabe bem melhor na ideia de religião baseada na natureza como é o paganismo, mais do que na ideia patriarcal das religiões abrahâmicas.
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