O
que o ‘Hellenismos’ oferece, em uma palavra, é beleza. Pergunte a uma
pessoa da rua qual a primeira impressão que ela tem da Grécia antiga.
Se ela não responder que eram uns pederastas vestidos de toga, elas
provavelmente mencionarão as lindas estátuas ou os templos em ruínas
com suas colunas impressionantes que estão ali há mais de dois mil
anos. Se a pessoa tiver um pouco mais de educação, falará dos épicos de
Homero, dos trabalhos de Sófocles e Eurípides, dos diálogos filosóficos
de Platão, ou dos mitos que inspiraram a arte ocidental por séculos. O
artístico está intrinsecamente envolvido na concepção dos gregos
antigos porque era uma parte importante da visão de mundo deles. A arte
é a resposta do homem à beleza e à harmonia que o circunda, uma forma
de suas experiências fazerem sentido e de compartilha-las com seu
próximo. É interessante que a palavra grega para universo – cosmos –
não apenas implica ordem e estabilidade, mas também beleza e
ornamentação (“cosmético”). Eles sentiam, fundo em seus ossos, a beleza
fundamental do mundo que os circundava – as ardentes nuances do céu
quando o sol começava a se pôr, uma fonte natural borbulhando em uma
clareira da floresta, o corpo humano em repouso – e eles sentiam que
havia algo divino em tudo isso: um mundo, como dizia Tales de Mileto,
“cheio de deuses”. Os deuses podiam parecer remotos, habitando longe
nas alturas do Monte Olimpo, mas mais freqüentemente os gregos os
experimentavam como presenças imediatas e manifestas nas forças
naturais que os circundavam – Zeus nas nuvens escuras de tempestade,
Poseidon nas ondas do oceano, Dionísio no fruto madura da vinha,
Afrodite e Ares incitando emoções no nosso coração, fosse de amor ou de
destruição. Os hebreus não falam do deus deles assim, a voz do deus
hebraico pode até vir de uma sarça ardente, mas o autor do Êxodo diz
claramente que Javé não é a sarça ardente. Ele está tão distante da
criação que Newton poderia falar do mundo como uma máquina tão
eficiente que fez deus ser redundante – e isso é só um pequeno passo
até a terrível e profética proclamação de Nietzsche de que deus está
morto.
E o que se tornou o mundo divorciado do divino? Um lugar
deserto, cheio de sofrimento e feiúra. Em todo o lugar há um senso
profundo de vazio e solidão. Olhe as cidades à nossa volta: são sujas,
monótonas, feias, opressivas, cinzentas e uniformes. O espírito se
rebela diante dessas coisas, e por isso os jovens das ruas pegam latas
de tinta spray e desesperadamente picham seus nomes e símbolos
misteriosos nas fachadas em uma tentativa fútil de quebrar a monotonia,
pra proclamar que estiveram ali, que a vida deles importou de alguma
pequena forma. Mas sem uma conexão mais profunda com a fonte da
criação, com o mundo da imaginação, tudo o que eles conseguem é uma
insignificante etiquetagem territorial. Só serve para acentuar mais a
desolação dos seus arredores, o vazio de seus espíritos.
Olhe
para a cultura que se desenvolve dessas cidades. Letras permutáveis de
rap e de funk que exaltam as virtudes de ficar bêbado e chapado, de
adquirir quantias extravagantes de riqueza e de se cercar de jóias
brilhantes, carros enfeitados, e sistemas de som potentes. As mulheres
são reduzidas a ‘cachorras’ e ‘preparadas’, cuja existência serve
apenas para gratificar a luxúria dos bandidos. A cultura popular mais
difundida não é melhor do que isso, pois é dominada por reality-shows
cujos participantes se diminuem a fim de ganhar altas somas de
dinheiro, onde celebridades são adoradas por nenhuma outra razão alem
de serem ricas e terem fama.
Nossa cultura carece de morais mais
profundas e definidas, de uma visão mais grandiosa de mundo, e se
permite ser manipulada e controlada por aqueles que perpetuam as
maiores atrocidades em nosso nome, com nem sequer uma palavra de
crítica, e eles fazem isso de tal forma que acabam nos convencendo que
estão protegendo nossa segurança nacional e o modo tradicional de se
viver. É o que parece acontecer no tal ‘sonho americano’ – um emprego
seguro e satisfatório que possa permitir que eu me cerque de coisas que
não preciso e assista coisas incríveis na televisão até eu finalmente
tombar para a morte. Nenhuma pergunta difícil, nenhum relacionamento
mais pleno com o ambiente que me cerca, nenhum desejo de realizar
grandes coisas e deixar uma marca nas páginas da história.
O
Helenismo se opõe a isso ao declarar o valor central da beleza. Beleza
é verdade, é um reflexo de coisas como elas autenticamente se
apresentam e também o relacionamento delas com poderes mais altos e uma
ordem exaltada e visionária. Quando se encontra a beleza, isso muda a
pessoa, porque a beleza é acompanhada pelo desejo e nós acabamos
desejando o belo, querendo mais disso, não mais ficamos satisfeitos com
o que não é belo. Isso nos compele a segui-la, a sacrificar o mundano e
o superficial a fim de possuí-la, nos faz olhar para dentro e fazer
mudanças em nós mesmos a fim de tanto ser digno do belo quanto melhor
representá-lo, e nós começamos a infundir nossa visão com isso,
fazendo-nos observar a beleza que nos cerca, onde antes tudo parecia
escuro e deprimente.
Quando olhamos para as coisas que os gregos
antigos consideravam belas, vemos o quanto a visão de mundo que a
religião deles tinha é importante hoje. Como eu disse antes, eles eram
agudamente ciente das belezas naturais do mundo. Quando você valoriza a
beleza, você deseja preservar e garantir a sua continuidade para as
gerações futuras. Você não verte sua sujeira nos rios, pavimenta
bosques sagrados para construir estacionamentos, torna o ar negro e
irrespirável, com descuidado e avareza. Em vez disso, você vive em
harmonia com o meio-ambiente, honrando a beleza dele como sagrada,
divina, digna de ser cuidada como se fosse um parente querido.
Com
relação à beleza do corpo humano, os gregos iam longe para garantir sua
saúde e vigor robusto. No centro de cada cidade, mesmo em colônias
distantes como a Turquia e a Índia, havia o ginásio onde os homens
malhavam. Até pessoas mais velhas como Sócrates visitava o ginásio todo
dia para ficar em forma. A maioria dos festivais tinha sua “agon”
(competição), na qual as corridas, a luta greco-romana, o boxe, as
danças etc representavam um importante papel. A cada quatro anos, os
homens viajariam de todas as partes do mundo conhecido, inclusive
proclamando tréguas na guerra a fim de que os atletas pudessem competir
nos Jogos Sagrados de Olímpia – uma tradição que permanece, embora
modificada, no mundo moderno. A ciência e a medicina eram altamente
valorizadas na Grécia antiga, o lugar de nascimento da racionalidade.
Médicos, que se consideravam descendentes de Asclépio, viajavam de
vilarejo em vilarejo ou cuidavam de templos como o de Epidauro, curando
males, remendando ossos quebrados e prescrevendo regimes de dieta e
exercício a fim de garantir uma ótima saúde e a beleza do corpo. Esses
regimes eram levados ao extremo em Esparta, onde a população inteira
vivia uma existência disciplinada de quartel, comendo um denso e escuro
mingau de cereal, e passando o tempo treinando para a Guerra e
aperfeiçoando o corpo – até as mulheres, o que era uma coisa impensável
para os atenienses. Apesar de serem um exemplo extremo, os espartanos
não estavam sozinhos na sua veneração pelo corpo e na busca da sua
perfeição. Vemos esses ideais em numerosas estátuas de jovens garotos
no auge da forma física, nos panegíricos louvando os atletas
bem-sucedidos, e até nas vidas dos maiores espíritos criativos da
Grécia: Platão, que primeiro foi famoso como boxeador e depois como
filósofo, Ésquilo, que desejava ser lembrado primeiramente como soldado
e não fazia menção à sua carreira como homem das letras em seu
epitáfio, e Sófocles, que compôs suas maiores tragédias já na idade de
90 anos. Os antigos gregos não eram nenhuma flor murcha de estufa,
nenhum asceta doentio torturando sua carne no deserto! Na verdade, eles
tinham tanta veneração pela beleza do corpo humano que não poderiam
pensar em uma melhor forma de expressar o transcendente dos deuses do
que os retratando na forma humana. Afinal, o que no mundo era mais belo
que o homem, a medida de todas as coisas?
Mas, é claro, para os
gregos não era suficiente simplesmente tornar o exterior belo e
negligenciar o que repousava dentro. Isso seria como oferecer a alguém
um cálice dourado esculpido de ornamentos mas cheio de água salobro e
lama. Então, mesmo quando os jovens treinavam seus corpos no ginásio,
os pais deles se certificavam de colocar suas mentes e espíritos sob a
cuidadosa guia de tutores que os instruiriam na poesia, música,
filosofia e retórica. Pois o verdadeiro homem é aquele que está bem
cercado, que poderia estar simplesmente tão confortável em uma
competição dramática quanto saindo com seus amigos na ágora ou
carregando armas contra os persas. Os gregos se sobressaíam nas artes.
Até hoje, os poemas de Homero são incomparáveis em beleza, complexidade
e na habilidade de mexer com as paixões que jazem fundo em nosso peito
e dão asas à nossa imaginação, permitindo que esta se eleve às alturas
do Olimpo. As peças dos dramaturgos ainda são executadas, as pinturas
de vasos e a arquitetura do período ainda causam maravilhas. Esse era o
mundo do qual os gregos se cercavam, no qual eles viviam e prosperavam.
As comédias de Aristófanes não eram simples entretenimento tedioso e
sem sentido. Elas se agarravam às mesmas questões profundas dos
diálogos de Platão. Elas eram apimentadas com toda a sorte de política
contemporânea e controvérsias religiosas. E os antigos atenienses não
tinham problema em acompanha-las. E, ainda, para os gregos antigos, que
viam a beleza no pensamento, que não se sentavam para assistir
passivamente, mas que eram ativamente engajados com a arte, participar
da discussão que uma peça incitava era a norma, não era a exceção.
Tão
lindo quanto um jovem atleta ou um coral no palco eram as filosofias
éticas e os códigos legais dos antigos gregos. Fundamental para ambos
era o conceito de harmonia, de submissão a uma ordem mundial natural e
transcendente. O criminoso era alguém que se colocava fora dessa ordem,
que era imoderado, incapaz de controlar seus desejos, pensando apenas
em si mesmo e nunca em como suas ações iriam causar impacto nos outros
ou na comunidade como um todo. Luxúria, avareza, ira – isso tudo são
emoções que perturbam a calma tranqüila do espírito e desfiguram o
corpo. A gente vê o quão verdadeiramente aberrante elas são quando
retratadas na arte – figures grotescas e atormentadas em completo
contraste com as convenções normais da arte grega onde tudo era sereno
e elegante, a quinta essência da beleza.
Então, quando um estranho
perguntar ‘qual o benefício de se adotar o helenismo, qual é a essência
da sua religião?’, responda que é a beleza, e saiba que esta é a mais
sublime das crenças, digna do maior respeito, infundindo e enobrecendo
todos os aspectos da vida e que, sem esse senso de beleza, a existência
se torna uma caricatura digna do maior desdém.